quarta-feira, 9 de março de 2011

Introdução a Carta de Efésios

INTRODUÇÃO À CARTA AOS EFÉSIOS
Contexto Histórico Geral
John R. W. Stott1
A carta aos Efésios é um resumo, muito bem elaborado, das boas novas do
cristianismo e de suas implicações. Ninguém pode lê-la sem ser compelido a adorar a
Deus e a ser desafiado a melhorar a sua vida cristã.
1Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que vivem em Efésios,
e fiéis em Cristo Jesus: 2Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai e do
Senhor Jesus Cristo.
Três questões introdutórias nos confrontam ao lermos estes dois versícuulos
iniciais da carta. Dizem respeito ao seu autor, aos seus destinatários e à sua mensagem.
O AUTOR
Conforme as convenções daqueles dias, o autor começa declarando a sua
identidade. Identifica-se como sendo o apóstolo Paulo.
Ora, a autoria paulina de Efésios era universalmente aceita desde o século I até
ao início do século XIX. Por que, então, estudiosos alemães a apartir de 1820,
começaram a questionar a autenticidade da carta, e por que este ceticismo sobre a
autoria paulina de Efésios permanece ainda hoje? Para citar um só exemplo: “Há muitas
razões para pensar que não vem nem da sua mã nem sequer do tempo em que viveu”2.
A maioria dos comentaristas chama atenção ao vocabulário e estilo singulares da
carta. Contam o número de palavras em Efésios que não ocorrem nas demais cartas de
Paulo, e o número das suas palavras prediletas que não se acham em Efésios. Seu estilo,
acrescentam, é muito menos apaixonado do que de costume. Markus Barth, por
exemplo, comenta a “dicção pleonástica,3 redundante, prolixa” do autor, e o seu “estilo
barroco, bombástico ou tipo litania”4. Mas este é um julgamento bastante subjetivo.
Além do mais, os argumentos linguísticos e estilísticos são claramente precários. Por
que esperaríamos que uma mente tão criativa quanto a de Paulo permanecesse dentro
das fronteiras de um vocábulário limitado de um estilo inflexível? Temas diferentes
requerem palavras diferentes, e circunstâncias alteradas criam um ambiente alterado.
Dois argumentos mais substanciais são propostos, no entanto, para lançar
dúvidas sobre a autenticidade da carta, sendo o primeiro histórico e o segundo teólogo.
1. O argumento histórico. Diz
respeito a uma discrepância entre o
relato em Atos, do longo e íntimo
conhecimento que Paulo tinha da
igreja de Éfeso, e o relacionamento
inteiramente impessoal, em segunda
mão, que a carta expressa. Embora a
sua primeira visita tenha sido breve
(At. 18:19-20), a sua segunda visita
durou três anos (At. 19:21 - 20:1, 31).
Durante este período ele os ensinava sistematicamente, “publicamente e também de casa
em casa”; chegaram a conhecê-lo bem, e na sua despedida final aos presbíteros da
igreja, estes demonstraram sua afeição através de abraços, pranto e beijos”.5 É
surpreendente, portanto, que a carta aos Efésios não contenha saudações pessoais tais
como as que terminam as demais cartas de Paulo (nada menos do que vinte e seis
pessoas são mencionadas pelo nome em Romanos 16). Ao invés disso, dirigi-se aos
leitores somente em termos genéricos, desejando paz aos “irmãos” e graça a “todos os
que amam sinceramente a nosso Senhor Jesus Cristo” (6:23-24). Alude a si mesmo
como prisioneiro (3:1, 4:1, 6:20), mas não faz nenhum comentário acerca deles.
Conclama-os a viver na união e na pureza sexual, mas não dá qualquer sinal da
existência de facções ou de um transgressor moral, tais como menciona em 1 Coríntios.
Refere-se em termos gerais à astúcia dos mestres (4:14), mas não identifica nenhuma
heresia específica como em Gálatas ou em Colossenses. Além disso, não dá qualquer
indicação de que ele os conhece pessoalmente. Pelo contrário, ele apenas diz que
“ouviu” da sua fé e do seu amor, e que eles ouviram do ministério dele (1:15, 3:2-4).
Este caráter impessoal da carta é certamente surpreendente. Mas não há
necessidade de deduzir daí que Paulo não seja o seu autor. Outras explicações são
possíveis. Paulo pode ter se dirigido a um grupo de igrejas asiáticas e não apenas à
igreja de Éfeso, ou, conforme sugere Markus Barth, “não à igreja inteira em Éfeso, mas
somente aos membros de origem gentílica, pessoas que não conhecia pessoalmente, e
que foram batizados após a sua partida daquela cidade”.6
2. O argumento teológico. Quanto a isto, os comentaristas apontam uma grande
variedade de aspectos diferentes. Enfatiza-se, por exemplo, que em Efésios, em
contraste com as cartas de Paulo de autoria incontroversa, o papel de Cristo assume uma
dimensão cósmica; que a esfera de interesse está nos “lugares celestiais” (uma
expressão inédita que ocorre cinco vezes) em que operam as potestades e os poderes;
que o foco do interesse é a igreja; que a justificação não é mencionada; que a
reconciliação fica mais entre os judeus e os gentios do que entre o pecador e Deus; que
a salvação é tratada não como um morrer com Cristo mas, sim, somente como um
ressucitar com ele; e que não há referência à segunda vinda de nosso Senhor. No
entanto, nenhum destes detalhes é mais de que uma pequena mudança de ênfase. E
temos de reconhecer que a teologia da epístola é essencialmente paulina. Até mesmo os
que negam a autoria de Paulo reconhecem que a epístola está “repleta de idéias de
autoria indubitavelmente paulina”.7
Além disso, para alguns leitores, a carta tem algo diferente, algo estranho.
Ninguém expressou isso mais vivamente do que Markus Barth no seu estudo anterior
(1959) intitulado The Broken Wall. Ele chama a parte inicial do estudo de “A epístola
enigmática de Paulo”, e a apresenta como “um estranho à porta”. O que há de
“estranho” em Efésios? O Dr. Barth cita por exemplo, a doutrina da predestinação; a
ênfase dada à iluminação intelectual; a “supertição” (como ele considera as referências
aos anjos e demônios); um “eclesiasticismo” que divorcia a igreja do mundo; e, no
ensino da epístola acerca dos relacionamentos do lar, o “moralismo” que ele chama de
“patriarcal, autoritário, pequeno burguês” e carente de originalidade, de largura, de
ousadia e de alegria. É assim como resume sua impressão inicial de Efésios: “Parece um
personagem estranho, um enjeitado, sem pai nem mãe. Usa uma linguagem enfadonha,
barroca. Baseia-se no determinismo, sofre do intelectualismo, combina a fé em Cristo
como uma demonologia superticiosa, promove um eclesiasticismo rígido, e termina
com um moralismo trivial e superficial”.8
Quando li esta avaliação pela primeira vez, fiquei na dúvida se o que o Dr. Barth
estava descrevendo era realmente Efésios, pois a sua reação à carta divergia muito da
minha. Mas, continuando a ler, ficou claro para mim que ele mesmo não estava
satisfeito com a sua análise. Em primeiro lugar, reconheceu que talvez fosse culpado de
fazer uma caricatura; depois explicou que quis chocar os seus leitores ao ponto de
sentirem como se sentem os não-cristãos quando são abordados com uma caricatura do
evangelho e, finalmente, restabeleceu o equilíbrio ao retratar “o encanto do
conhecimento” que as pessoas experimentam quando ficam conhecendo melhor a carta
aos Efésios. A carta nos cativa, observa o Dr. Barth, por três características.
Primeiramente, Efésios é intercessão. Mais do que qualquer outra epístola no
Novo Testamento, “tem o caráter e a forma de oração. Quando alguém argumenta
conosco, pode nos persuardir ou não; mas quando por nós, seu relacionamento conosco
transforma-se. “Assim acontence com o estranho à porta. Efésios ganhou o direito de
entrar, porque seus leitores são objeto da intercessão do autor”.9
Em segundo lugar, Efésios é proclamação. Nõa é opologética, não polêmica.
Pelo contrário, está repleta de afirmações “ousadas” e até mesmo “jubilosas” a cerca de
Deus, de Cristo e do Espírito Santo. “Efésios torna-se bemvinda, e é um documento
encantador, justamente porque nõa deixa brilhar outra coisa senão o amor e a eleição de
Deus, a morte e a ressurreição de Cristo, e o poder e a obra do Espírito entre os
homens”.10
Em terceiro lugar, Efésios é evangelização. No seu panorama do conteúdo da
carta, Markus Barth enfatiza suas “declarações intrépidas” a cerca do propósito e da
ação salvadora de Deus (caps. 1-2), a cerca da “obra permanente de Deus, na sua
automanifestação para a Igreja e através dela” (caps. 3-4), e a cerca “da obra corajosa e
alegre de embaixadores, realizada pelos cristãos no mundo” (caps. 5-6). Tudo isto, diz
ele, dá a Efésios “relevância especial para todos os que estão ocupados com as tarefas
evangelísticas da Igreja hoje”.11
Qual é, então a situação atual nos círculos de estudiosos sobre a autoria de
Efésios? MUITOS FICAM INDECISOS. Concordariam com J. H. Houlden que “não há
consenso na opinão dos peritos”, pois “o argumento responde a outro sem o resultado
claro”.12
Outros, ainda, negam que Paulo foi o autor e propõem complicadas teorias
alternativas. Talvez a mais enjenhosa delas seja do estudioso norteamericano E. J.
Goodspeed. Ele especulou que, ao redor de 90 d.C., um discípulo ardente de Paulo,
aflito porque as cartas do seu herói estavam sendo negligenciadas, percorreu as igrejas
que Paulo tinha visitado, a fim de colecionar as cartas e, mais tarde, publicá-las. Mais,
aintes da publicação, viu a necessidade de algum tipo de introdução. Dessa maneira
editou “Efésios, como um mosaico de matérias tiradas de todas as cartas de Paulo,
especialmente de Colossenses (que decorara) e atribui-a a Paulo a fim de recomendá-la
a uma geração posterior. E. J. Goodspeed foi além e arriscou a opinião de que este autor
e publicar teria sido Onésimo, o escravo convertido, visto que alguém com o mesmo
nome era bispo de Éfeso naquele tempo. Embora esta reconstrução tenha ganhado
alguma popularidade nos EUA e tenha sido adotada na Inglaterra pelo Dr. Leslie
Mitton, é quase inteiramente especulativa.
Outros estudiosos estão voltando para o conceito tradicional. A. M. Hunter diz,
com razão, que “o ônus da prova recai sobre aqueles que negam a autoria paulina”.13
Markus Barth emprega a mesma expressão e aplica a máxima “inocente até que seja
provado culpado”.14 Quanto a mim, acho que até mesmo estes julgamentos são tímidos
demais. Parece que não atribuem valor suficiente à evidência externa, nem à interna.
Externamente, há o testemunho impressionante da igreja universal durante dezoite
séculos, que não pode ser levianamente posto de lado. Internamente, a carta não
somente declara ter sido escrita como um todo pelo apóstolo Paulo, como também o
tema da união entre judeus e gentios, pela graça da obra reconciliadora de Deus por
meio de Cristo, está de acordo com aquilo que ficamos sabendo em outros lugares sobre
o apóstolo aos gentios.
Não acredito que G. G. Findlay estivesse exagerando quando escreveu que o
ceticismo moderno sobre a autoria paulina de efésios virá no futuro a ser considerado
“uma das... curiosidades de uma era hipercrítica”.15 A ausência de qualquer alternativa é
corretamente enfatizada por F. F. Bruce: “O homem que pôde escrever Efésios deve ter
sido igual ao apóstolo, senão superior a ele, em estatura mental e entendimento
espiritual... E a história cristã não tem conhecimento algum de um segundo Paulo deste
calibre”.16
Depois deste breve panorama sobre alguns pontos de vista modernos, é um
alívio voltar ao texto: Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus. Paulo
reinvindica para si o mesmo título que Jesus dera aos doze.17 Historicamente, tanto no
Antigo Testamento quanto no judaísmo rabínico, esta palavra designava alguém
especialmente escolhido, chamado e enviado para ensinar com autoridade. Não tinha se
oferecido como voluntário para este ministério, nem a igreja o nomeara. Pelo contrário,
seu apostolado viera da vontade de Deus e da escolha e comissão de Jesus Cristo. Logo,
se assim foi, como eu, e muitos outros, cremo, devemos escutar a mensagem de Efésios
com a devida atenção e humildade. Devemos considerar o seu autor não como um
indivíduo qualquer que esteja ventilando suas opiniões pessoais, nem como um mestre
humano, dotado, porém falível, nem mesmo como o maior herói missionário da igreja.
Ele é “apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus” e, portanto, um mestre cuja
autoridade é precisamente a autoridade do próprio Jesus Cristo, em cujo nome e por
cuja inspiração escreve.
OS DESTINATÁRIOS
Na segunda parte do versículo 1, Paulo emprega vários termos para descrever os
seus leitores.
Em primeiro lugar, são os santos. Não está usando esta palavra familiar para
referir-se a alguma elite espiritual dentro da congregação, uma minoria de cristãos
excepcionalmente piedosos mas, sim, à totalidade do povo de Deus. Eram chamados de
“santos” por terem sido preparados para pertencerem a Deus. A expressão era aplicada
primeiramente a Israel como a “nação santa”, mas veio a ser estendida à totalidade da
comunidade cristã, que é o Israel de Deus”.18
Em segundo lugar, também são fiéis. O adjetivo pistos pode ter ou um
significado ativo (“confiando”, “tendo fé”) ou um significado passivo (“fidedigno”,
16 BRUCE, F. F.. The Epistle to the Ephesians, A Verse-by-verse Exposition. Pickering & Inglis,
1961 (pp.11-12).
17 Lucas 6:12-13
18 Gálatas 6:16
6
“sendo fiel”). Embora a ERAB escolha aqui o passivo, o ativo parece melhor, visto que
o povo de Deus é a “família da fé”,19 unido por sua confiança comum em Deus
mediante Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, J. Armitage Robinson talvez tenha razão em
sugerir que “os dois sentidos de pistis, ‘crença’ e ‘fidelidade’, parecem estar
harmonizados”.20 Certamente, é difícil imaginar um crente que não seja fidedigno, ou
um cristão digno de confiança que não tenha aprendido a ser assim com a pessoa em
quem colocou a sua confiança.
Em terceiro lugar, os leitores de Paulo estão em Cristo Jesus. Esta expressãochave
da carta ocorre, portanto, logo no primeiro versículo. Estar “em Cristo” é estar em
união vital e pessoal com Cristo, e portanto, com o povo de Cristo, como os ramos com
a videira e os membros com o corpo. É impossível fazer parte do Corpo sem estar
relacionado com o Cabeça e também com os membros. Muita coisa que a Epístola
desenvolve mais tarde já está aqui como o botão de uma flor. O Novo Testamento, e
especialmente Paulo, afirma que ser um cristão é, em ess6encia, estar “em Cristo”,
unido com ele e com o seu povo.
Em quarto lugar, alguns manuscritos acrescentam que os
leitores de Paulo estão em Éfeso. Originalmente uma colônia grega,
Éfeso tornou-se a capital da província romana da Ásia e um porto
comercial ativo. Era, também, a sede do culto à deusa Diana (ou
Ártemis), cujo templo, depois de ter sido destruído em meados dos
século IV a.C., foi pouco a pouco reedificado até tornar-se uma das
sete maravilhas do mundo. Aliás, o sucesso da missão de Paulo em
Éfeso tinha ameaçado de tal maneira a venda de modelos de prata do
templo de Diana que os ourives provocaram um alvoroço público de
protesto.21
A descrição que Paulo dá dos seus leitores, portanto, é compreensível. São
santos porque pertencem a Deus; são fiéis porque confiam em Cristo; e têm dois lares,
porque residem igualmente em Cristo e em Éfeso. De fato, todos os cristãos são santos e
são fiéis, e vivem tanto em Cristo quanto no mundo secular, ou seja, nos lugares
celestiais e na terra. Muitos dos nossos problemas espirituais surgem do nosso
esquecimento de que somos cidadãos de dois reinos. Nossa tendência é ou seguir a
Cristo e retirar-nos do mundo, ou ficar preocupados com o mundo e esquecer de que
também estamos em Cristo.
A MENSAGEM
O ponto central da carta é o que Deus fez por meio da obra histórica de Jesus
Cristo, e continua fazendo através do seu Espírito hoje, a fim de edificar a sua nova
sociedade no meio da velha. Conta como Jesus Cristo verteu o seu sangue numa morte
sacrificial pelo pecado, depois ressuscitou dentre os mortos pelo poder de Deus, sendo
exaltado acima de qualquer concorrente ao lugar supremo tanto no universo quanto na
igreja. Mais do que isso, nós que estamos “em Cristo”, organicamente unidos com ele
pela fé, compartilhamos pessoalmente destes grandes eventos. Fomos ressucitados da
morte espiritual, exaltados ao céu e edentificados ali com ele. Fomos reconciliados com
deus e uns com os outros. Como resultado, mediante Cristo e em Cristo, somos nada
menos do que a nova sociedade de Deus, a nova humanidade que ele está criando e que
inclui judeus e gentios em pé de igualdade. Somos a família de Deus Pai, o corpo de
Jesus Cristo, seu Filho, e o templo do Espírito Santo.
Logo, devemos mostrar, de modo claro e visível, mediante a nossa vida, a
realidade desta obra que Deus tem feito. Primeiro, pela unidade e diversidade da nossa
vida em comum; em segundo lugar, pela pureza mútua e pelo amor em nosso
comportamento cotidiano; em terceiro lugar, pela mútua submissão e por um
relacionamento amoroso no lar; e, finalmente, por nossa estabilidade na luta contra as
potestades e os poderes do mal. Então, na plenitude do tempo, o propósito de Deus, ou
seja, a consumação da nova sociedade se dará sob a afirmação plena da soberania total
de Jesus Cristo.
Com este tema em mente, podemos analisar a carta como segue:
1. A nova vida que Deus nos deu em Cristo (1:3-2:10);
2. A nova sociedade que Deus criou mediante Cristo (2:11-3:21);
3. Os novos padrões que Deus espera da nova sociedade, especialmente a união
e a pureza (4:1-5:21);
4. Os novos relacionamentos para os quais Deus nos trouxe: a harmonia no lar e
a luta contra o diabo (5:21-6:24).
A carta inteira, portanto, é uma
combinação magnífica da doutrina
cristã e do dever cristão, da fé cristã e
da vida cristã, daquilo que Deus fez
através de Cristo e do que nós devemos
ser e fazer em decorrência.
O seu tema central é “a nova sociedade de Deus”: o que é, como veio a existir
por meio de Cristo, como suas origens e a natureza foram reveladas a Paulo, seu
crescimento através da proclamação, a importância de vivermos uma vida digna desta
nova sociedade, e como será consumada futuramente quando Cristo apresentar a sua
noiva, a igreja, a si mesmo em esplendor, “sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante... santa e sem defeito” (5:27).
A atualidade desta mensagem é óbvia. Karl Marx também escreveu acerca do
“novo homem” e da “nova sociedade”. E milhões de pessoas captaram a visão dele e
estão se dedicando à sua realização. Marx, porém, via o problema humano e a solução
em termos quase que exclusivamente econômicos. A “nova sociedade” seria a sociedade
sem classes que se seguiria após a revolução, e o “novo homem” emergiria como
resultado da sua libertação econômica.
Paulo apresenta uma visão ainda mais grandiosa, porque vê que o ponto chave
da questão é ainda mais profundo do que a injustiça da estrutura econômica, e então
propõe uma solução ainda mais radical. Escreve acerca de nada menos do que uma
“nova criação”. Três vezes emprega palavras ligadas com a criação. Em Jesus Cristo,
Deus está recriando homens e mulheres “para boas obras”, formando uma nova
humanidade única no lugar da divisão desastrosa entre judeus e gentios, e nos recriando
8
na sua própria imagem “em justiça e retidão procedentes da verdade”.22 Assim, de
acordo com o ensino de Paulo, o novo homem e a nova sociedade são produtos da ação
criadora de Deus. A reestruturação econômica tem grande importância, mas não pode
produzir estas coisas. Elas estão além da capacidade, do poder e da engenhosidade
humana. Dependem da ação divina do Criador.
Esta mensagem da igreja, como sendo a nova criação e a nova comunidade de
Deus, é de especial importância para aqueles que se chamam, ou são chamados, de
cristãos “evangélicos”. Por nosso temperamento e por nossa tradição, tendemos a ser
individualistas inflexíveis, e por vezes pouco nos importamos com a igreja. Aliás,
muitos pensam que ser “evangélico” é dar pouco valor à igreja.
Mas o verdadeiro evangélico, que a partir da Bíblia constrói a sua teologia,
forçosamente terá aquele conceito elevado de igreja que a própria Bíblia ensina. Hoje,
mais do que nunca, precisamos captar a visão bíblica da igreja. No ocidente, a igreja
está em declínio e precisa urgentemente de uma renovação. Mas qual é a forma de
renovação que desejamos? No mundo comunista, a igreja é sempre despojada de
privilégios, frequentemente perseguida, e às vezes forçada a ser uma igreja subterrânea.
Essa situação suscita a pergunta básica: qual é a razão de ser da igreja, sem a qual ela
deixaria de ser igreja? Em várias regiões do terceiro mundo a igreja está crescendo
rapidamente e em alguns lugares sua taxa de crescimento é até mais rápida do que a do
crescimento populacional. Mas que tipo de igreja está surgindo e crescendo?
Prescisamos ser corajosos em nosso questionamento em relação à igreja nestas diversas
situações: no mundo livre, no mundo comunista e no terceiro mundo. E encontraremos
respostas para estas perguntas em Efésios, porque aqui temos as recomendações do
próprio Cristo para a sua igreja, a igreja pela qual certa vez se entregou (5:25), a igreja a
qual é o seu corpo, e até mesmo a sua plenitude (1:23).
Boa parte da mensagem de efésios é antecipada na saudação inicial do apóstolo:
Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo (v.2). É
verdade que esta era a saudação costumeira com que iniciava todas as suas cartas, uma
forma cristianizada das saudações hebraicas e gregas da época. Mesmo assim, podemos
dizer com segurança que nada do que saiu da pena de Paulo era, em qualquer tempo,
meramente convencional. Pelo contrário, estes dois substantivos são especialmente
apropriados no começo de efésios: “graça” indica a iniciativa salvadora e gratuita de
Deus, e “paz” indica o nível de vida em que passamos a viver desde que ele reconciliou
os pecadores consigo mesmo e uns com os outros na sua comunidade.
“Graça” e “paz”, portanto, são palavras-chaves de Efésios. Em 6:15 as boas
novas são chamadas de o evangelho da paz. Em 2:14 está escrito que o próprio Jesus
Cristo é a nossa paz, porque fez a paz pela cruz (v.15) e depois veio e evangelizou paz
aos judeus e aos gentios (v.17). Logo, seu povo deve esforçar-se diligentemente por
preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz (4:3). A “graça”, do outro lado,
indica como e por que Deus tomou a iniciativa da reconcilliação. A “graça”, pois, é sua
misericórdia livre e não merecida. É “pela graça” que somos salvos, aliás pela “suprema
riqueza da sua graça” (2:5, 7-8), e é pela mesma graça que recebemos dons para o
serviço (4:7 cf. 3:2, 7). Por isso, se desejamos um resumo sucinto das boas novas que a
carta anuncia, não poderíamos achar anada melhor do que esta: “paz pela graça”.
Finalmente, não devemos deixar desapercebido o elo vital entre o autor, os
leitores e a mensagem. É o próprio Senhor Jesus Cristo. Paulo, o autor, é o apóstolo de
Cristo Jesus, os próprios leitores estão em Cristo Jesus, e a bênção vem para todos eles
tanto da parte de Deus Pai quanto do Senhor Jesus Cristo, que estão colocados juntos
(22 Efésios 2:10, 15, 4:249)como sendo o único manancial do qual fluem a graça e a paz. Assim, o Senhor Jesus
Cristo domina a mente de Deus e enche a sua visão. Parece que ele se sente complido a
incluir Jesus Cristo em cada frase que escreve, pelo menos no começo desta carta. Pois
é através de Jesus Cristo, e em Jesus Cristo, que a nova sociedade de Deus veio a
existir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário